Ele chegou e se posicionou no final de uma fila imensa.
- Que diabos, até aqui tem fila pra entrar, como se alguém fizesse questão de vir.
- Odeio gente que só reclama da vida – queixou-se um desconhecido para outro, logo à frente.
Ele fingiu não escutar e continuou praguejando. O calor, a falta de assentos, a demora pra fila andar. Porém não esperava que suas queixas fossem atendidas. Só estava curioso pra saber por que estava lá.
O chão era de terra, meio arenosa, não fazia muita sujeira mas parecia refletir o calor que vinha das paredes de pedra, que exalavam vapor, apesar a aparência fria, o corredor por onde as pessoas se enfileiravam não mostrava o final e sumia num amontoado de cabeças.
Ele nunca se imaginou naquele lugar, mas o que o surpreendia era ter acontecido bem antes do que esperava, e a fila, céus que fila. Tentou refazer o caminho até ali. Não se lembrava de muita coisa, de manhã o trânsito estava absurdo, mas isso parecia que foi há uma eternidade.
Tentou pensar em alguma maneira para cortar um pedaço da fila, ou de amenizar o calor infernal, mas na situação em que estava achou melhor resignar-se e esperar maldizendo tudo que lhe vinha à cabeça.
Esperava e reclamava enquanto observava as pessoas. Várias alturas, caras, cores, homens e mulheres, alguns brigavam, outros se bolinavam. Mas ainda em fila. Era um caos organizado.
A fila foi avançando lentamente e mais pra frente se bifurcava, onde um homem meio velho dividia as pessoas, fila da direita, fila da esquerda, chamando-as por números. Então ele percebeu, na sola do pé direito, um número gravado, nem fazia idéia como.
Fila da esquerda.
Logo à frente as filas se separavam, e a da esquerda seguia para um salão, não tão quente quanto o corredor, cravejado de portas pelas paredes, portas idênticas e com a mesma distância as separando onde algumas pessoas da fila entravam aleatoriamente. Aos poucos ficava frio, gelado. Mais um motivo para reclamações. Enquanto reclamava baixinho, ele ouviu seu nome de uma das muitas portas.
Entrou e viu uma saleta com outra porta do lado oposto do cômodo, uma mesa vazia e uma cadeira ocupada, por um homem comum.
- Pois não? - Perguntou o homem.
-Eu que pergunto. Fui chamado até aqui.
- Pode fazer as perguntas que quiser. Se não tiver nenhuma, continue pela outra porta. – E ele continuava em pé.
-Quero falar com o Cara.
-Pois não?
- ... Você? – A ansiedade e expectativa dele decepcionaram.
- Mais alguma coisa?
- É isso, sem grande portal, sem homem de chifres, rabo, fogo? Nada? Só uma fila infernal?
- Exatamente, uma fila infernal.
- E nas outras portas? Ali do salão, quem está lá?
- Eu. Em cada departamento.
- E depois dessa outra porta, pra onde eu vou agora?
- Aí depende. O que é o inferno pra você? No seu caso, não deve ser nada muito diferente das coisas que você reclama, as que você detesta.
- E a fila da direita?
- Sujeito curioso. Não quer saber por que está aqui?
- Faz diferença?
- Não.
- E a outra fila?
- É de quem ainda está indo, você já voltou.
- E só?
- Ainda não acabou, só começou. A outra porta.