Aquele apartamento, tanto tempo depois, era só um amontoado de coisas que um dia fizeram sentido.
Um amontoado organizado, mais organizado que nunca, depois de tanto tempo sem aparecer por lá. Organização sempre me pareceu sinal de distância psicológica, mas ali a arrumação não tinha nada a ver com o abismo que sentia entre eu e aquele lugar, só era uma constatação, uma espécie de estopim, de epifania.
Não era possível manter minha casa organizada daquele jeito, papéis e livros obedientemente nas prateleiras, a mesa do computador não contendo nada além do objeto para o qual era idealmente nomeada: o computador. Os CDs todos empilhados copiosamente no espaço da escrivaninha destinado para CDs. Inacreditável. Nenhum espaço incumbido da missão de abrigar a mim, ao meu coração e as minhas coisas estaria daquele jeito, como não estivera aquele lugar na época em que eu o frequentei.
Parei pra pensar naquelas coisas que uma dia fizeram sentido, fitei-me no reflexo da mesma janela, e não reconheci a cortina que a cobria, nem a mim, nem a paisagem através do vidro. Quando me olhei, tentei ver o meu eu passado, tentei entender as antigas razões de estar naquele lugar, não encontrei, se quer, razão para estar ali naquele momento.
Parei, então, de pensar naquelas coisas.
Eu sabia que o que ouvi não passavam de mentiras q minh'alma utópica gostava de acreditar.
Mentiras sinceras não me interessam, não.
Não mais.
Peguei minha bolsa e saí.
Desci as escadas ainda sentindo o cheiro do café sendo coado.
Há um ano