-A vida é muito cruel - Disse como uma constatação dramática, de quem procura discordância.
-Já está acabando - Tentou consolar, num tom amigável, com um gosto de fim de viagem longa.
-O que, a vida? - Encenou um espanto afetado
-Não, boba, essa dor.
-Ah... - Fingidamente desolada pela explicação óbvia do que ele quis dizer.
É, a vida. Ou praticamente isso. Mas preferiu não dizer.
Talvez seja melhor que ela continue. A vida é cruel, não apenas essa dor.
Às vezes tenho a impressão de que ao longo da vida temos uma meta mínima de sofrimento a cumprir. Alguns excedem a cota, outros tentam engana-la fingindo que a vida pode ser sempre feliz. Talvez também haja uma meta mínima de felicidade, algumas pessoas a ultrapassam sem esforço, outras apenas a cumprem por um forçar do ciclo vital, com essas felicidades que o sofrimento natural insistem em diluir, ou que esses não apreciam tanto quanto a dor. Acontece.
Talvez seja melhor que ela continue. A dor. Se ela fizer parte do meu mínimo sofrimento inevitável, o que pode acontecer depois que essa dor passar? Pelo menos é algo fisicamente tolerável, por enquanto. Mas se passar ou eu me acostumar, como faz a vida pra dar conta dos pontos do sofrimento?
Quer dizer, eu não acho que já tenha sofrido o suficiente por uma vida, para só ter ventos bons soprando de agora em diante. Pelo contrário, tudo anda bem, administravelmente bem.
Pode ser que a cota seja anual, ou por período da vida, sofrer bastante antes não te impede de sofrer depois. Ou ainda ,a pontuação de cada acontecimento varia de acordo com a nossa impressão dele, se foi muito triste, se foi muito feliz.
Sei que eu tenho medo do que pode vir estragar tudo isso.
Estou com cãibras de tanto me segurar no fio da vida, tentando não me perder na loucura.
Há um ano